quarta-feira, 1 de abril de 2015

Capítulo 9 - Noite Insone

Capítulo 9 - Noite Insone
A noite despencou em agonia. Ventos sombrios surrupiavam as folhas das árvores sem piedade. Uma janela batia assustadoramente. Parecia vir de cima do quarto de Renan. O quarto em que ele viu Catherine pela primeira vez. O quarto do sótão. Renan desejava que o mundo silenciasse para que pudesse dormir tranquilo, mas parecia que aquela noite não estava afim de fazer suas vontades. Cobriu a cabeça com o edredom tentando abafar o ruído insistente. Não adiantou. Será que não havia ninguém que pudesse fechar aquela janela maldita? Esperou mais uns minutos e praguejando se descobriu, levantando-se da cama. Os pés se arrastaram em busca do conforto dos chinelos acolchoados. Uma vez, sua tia queria lhe dar umas pantufas. Ele agradeceu e recusou. Queria manter os pés aquecidos, mas não cobertos por orelhas e carinhas fofinhas. Não era mais criança.
Ao sair do quarto, Renan caminhou até a escada do lado direito. Galgou agilmente os oito degraus e prostrou-se à frente da porta do sótão. Testando a maçaneta percebeu que a porta estava trancada. Onde estaria a chave? A janela continua batendo ininterruptamente o que o deixa exasperado, andando de um lado para o outro. Apertando os cabelos da nuca ele desce as escadas e vai bater na porta do quarto de Catherine.
- Catherine! Acorde! Preciso da chave do sótão! - seu tom de voz é baixo e firme. Temia acordar os tios. Mas sua preocupação era infundada, uma vez que o quarto deles ficava no outro lado do corredor em L. Aquela casa parecia um monstro com dezenas de bocas, tanto eram os quartos e salas dispostos nos três andares que a compunham. Não obtendo resposta a seu apelo, ele tentou abrir a porta e esta, ao contrário da outra, estava aberta.
O quarto estava escuro e um silêncio sepulcral dominava o ambiente. Renan tateou a procura do interruptor, mas ao apertá-lo o quarto não se iluminou.
- Droga! E essa agora! - caminhou lentamente até a cama de Catherine, disposto a acordá-la. A passos leves, evitando o confronto de seus joelhos com os móveis, buscou por ela e descobriu que a cama estava vazia. Pensando que poderia estar em outro lugar do quarto ou no banheiro contíguo, chamou-a obtendo como resposta apenas o zumbido do vento açoitando os galhos das árvores e arrancando gemidos da casa antiga.
Como seu próprio quarto ficava ao lado do de Catherine, Renan foi até lá e pegou seu celular em cima do criado mudo. Ativando a lanterna do aparelho, subiu novamente o lance da escada que levava ao sótão. Um sexto sentido e um já conhecido arrepio na nuca o fez crer que Catherine estava dentro daquele quarto. Mas se ela estava lá, por que não fechou a janela? Teria ela caído no sono pesado e não conseguia ouvir aquele barulho irritante? 
De repente ele se lembrou de uma outra noite insone na qual ele a ouviu gritar após o que parecia ser um pesadelo medonho. A imagem de suas mãos feridas não lhe saía da mente e até hoje não sabia quem havia cometido tal violência. Teria sido a própria Catherine ou outra pessoa? Apressando o passo quase se chocou violentamente contra a porta. Chegou a sentir a topada no dedão e praguejou sonoramente. 
- Catherine? Está aí dentro? - Renan socava a porta.
Como em um passe de mágica o mundo silenciou. Renan encostou a orelha direita na porta buscando ouvir algum barulho que denunciasse alguma presença. Nada. Nem o barulho da janela. Silêncio astuto esse que veio restituir a calma e a serenidade dentro e fora da casa. De alguma forma, o propósito de Renan fora alcançado. A janela parara de bater e tudo ao seu redor estava mergulhado em um torpor sonolento.
Renan não estava satisfeito. O arrepio em sua nuca tornou-se mais intenso  e ele pulou para o lado como se sentisse dedos frios roçando sua pele. Investiu novamente contra a porta e por pouco não desabou. A porta foi se abrindo lentamente e um rosto surgiu, banhado parcialmente pela lua.
- O que você quer? - perguntou Catherine fechando a porta do sótão atrás de si como a proteger algum tesouro escondido.
Renan recuperou-se do susto. Por um momento fugaz, pensou ter visto um outro rosto. Catherine estava de braços cruzados sobre o peito e seu olhar parecia dizer que não estava num bom momento. Renan limpou a garganta ao reparar no decote da camisola. Catherine, rubra de raiva, fechou o penhoar rapidamente dando um passo a frente.
- Se não tem nada a dizer, vou voltar para meu quarto.
Antes que ela saísse, Renan acordou de sua inércia e prostrou-se à frente dela.
- Não conseguia dormir por conta da janela desse quarto que não parava de bater, mas percebo agora que isso já foi feito. O que você fazia lá dentro, no escuro, a essa hora? 
- Você já respondeu a essa pergunta. Fui fechar a janela.
Renan tentou passar por ela e abrir a porta para ver o interior do sótão, mas foi empurrado pela garota bruscamente.
- Não há nada para você aí dentro! Vamos dormir que amanhã temos aula. - apontou para os degraus da escada, indicando que ele deveria descer.
- Tem certeza que está tudo bem? - Renan olhou-a preocupado. - Você me parece pálida. Suas mãos ainda doem?
- Minhas mãos estão ótimas como você mesmo pode comprovar. - levantou as mãos a frente do corpo e Renan aquiesceu aliviado. - E agora vamos parar com essa conversa chata. Desde que você veio para esta casa que não tenho um momento de sossego. Já que mão posso te mandar embora, faça o favor de não cruzar mais o meu caminho. - disse ela com voz alterada. Seus braços agora jaziam ao lado do corpo e suas mãos estavam firmemente fechadas. Renan não podia saber, mas ela tremia por dentro e trincava os dentes de nervoso. 
Renan olhou-a tristemente. A mágoa evidente em seu rosto. Sem refutar voltou-se para o quarto em silêncio, sem olhar para trás.
- Melhor assim! A ignorância será sua proteção. - murmurou enquanto voltava para o quarto.
Um silêncio carregado de prenúncios catastróficos fluía no ar da madrugada.

5 comentários:

  1. Vim para conhecer, e gostei muito de tudo! Vou seguir para não perder de vista :)
    Beijo.
    Nita

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    Nita

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  3. Tenho andado a visitar....

    Excelente blog e excelente maneira de expor a prosa. Deveras bom

    Bjgrande do Lago

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