quarta-feira, 18 de março de 2015

Capítulo 8 - Afiando as Garras

Capítulo 8 - Afiando as Garras

Por mais que Eloise desejasse , os pais de Catherine não aprovaram que ela ficasse no quarto de Renan estudando.  Não fora até àquela casa para ficar enfurnada em um cômodo falando de cálculos,  estatísticas e percentuais econômicos. Seu propósito era outro. Até Cath , sua ex-amiga sabia quais eram suas intenções.  O estudo teve que ser realizado na biblioteca à contragosto da garota.  Como iria seduzir Renan entre estantes de livros? Pior ainda, era ter que suportar a presença de Cath. Mas ela daria um jeito de ficar sozinha com Renan. Quando a oportunidade aparecesse , ela saberia como agir.
O corredor que ficava paralelo à sala de estar , era parcamente iluminado.  O pai de Catherine manteve os lustres antigos , trocando apenas as lâmpadas.  Como era um local de passagem entre cômodos não era necessário ser muito iluminado.
Catherine ia na frente em silêncio.  Eloise tagarelava sem parar sobre como estava agradecida por Renan a ajudar com seus estudos.  Vez ou outra,  Catherine olhava para trás e a garota estava agarrada ao braço dele como se fosse uma trepadeira desavergonhada se agarrando aos galhos de um abeto.
A biblioteca ficava na parte leste da casa e uma de suas paredes, com largas portas de vidro dava para o jardim lateral.
Um odor de cedro invadiu as narinas.  Os passos soaram abafados sobre o carpete caramelo que cobria o assoalho.
Três paredes estavam cobertas, do chão ao teto ,  de estantes de madeira rústica repletas de livros. Tinha volumes pesados em capa dura e outros mais simples.  As lombadas contavam histórias fantásticas de mundos inexplorados , de sonhos perdidos e de conquistas realizadas. Uma das estantes apresentava volumes técnicos como Engenharia,  Mecânica e Matemática Aplicada. Ainda continha livros de história da arte , história antiga , filosofia e economia. O pai de Catherine adorava os livros e vendo que a menina se interessava por literatura,  mandou fazer uma estante só para ela. Os volumes variavam de infantis até os bibliográficos.  Renan ficou curioso em saber qual era o favorito da garota.
- Ai , que bom que tem um sofá aqui.  - meus pés estão matando.  Será que você podia fazer uma massagem neles pra mim , querido.
Catherine fez cara de vômito.  Além de fingida , ainda era descarada. Como poderia, um dia , ter confiado seus segredos a ela. Cobra peçonhenta! Ainda bem que não abriu o jogo com ela. - pensava Catherine.
Renan espalhou os livros de economia sobre a mesa de centro e pegou duas almofadas no sofá,  sentando em cima de uma delas e a outra , colicou a frente dele , do outro lado da mesa.
- Venha. Sente-se aqui. Vamos começar.
Eloise pensou em recusar, mas um pensamento a impulsionou a sentar-se defronte a ele. Com uma risadinha travessa, Eloise começou a alisar o braço direito.  Seu gesto não passou despercebido por Catherine que forcou uma tosse inexistente. 
- Então, como eu ia dizendo sobre as políticas econômicas desenvolvimentistas, elas são baseadas na meta de crescimento da produção industrial...
Renan desandou a falar de mercado econômico, capital privado e fundo de investimentos. Eloise fingia prestar atenção as explicações do garoto, mas sua atenção estava focada em outras coisas mais atraentes. Catherine estava sentada em uma cadeira de jacarandá, estilo Luís XV decorada com desenho de folhas e flores no encosto. Folheava um livro de capa dura, parecendo ser muito antigo. Era uma das primeiras edições de O Retrato de Dorian Gray que seu pai adquirira em um leilão alguns anos antes.
Ao ouvir um resmungo vindo de Renan, Cath tirou o nariz do livro e inclinou o corpo dobre a mesa para ver o que havia acontecido. A cena desenhada diante de seus olhos era de uma Eloise com olhar lânguido e um Renan corado como um tomate. Não precisou perguntar pra saber o que estava havendo. Da direção que estava, era possível visualizar perfeitamente os movimentos de pernas debaixo da mesa. Eloise, desavergonhadamente, esfregava os pés descalços no meio das calças de Renan.
- Quanta falta de respeito! - pensou ela sentindo-se incomodada. Sua primeira ação foi jogar o livro com toda força sobre a mesa. O barulho assustou Eloise que deu um gritinho e fez com que Renan se levantasse. 
O ódio com que Eloise a olhava não a incomodou. Já estava acostumada com a irritabilidade da garota, mas o silêncio de Renan era enervante. Ele era culpado de aceitar "dar aulas" para àquela garota petulante. A única coisa que faltava era os dois se bulinaram mutuamente sem se preocupar com sua presença. Mas eles não praticariam atos pervertidos na sua casa. Isso ela não aceitava.
- Ao invés de ficarem sentados, fingindo estudarem, por que não vão para um motel? Minha casa não é lugar de vadiagem! - Catherine se levantou e postou-se defronte a eles com as mãos nos quadris. Olhava para eles com arrogância, seu semblante fechando-se como um céu antes da tempestade.
Renan que segurava os livros, quase os deixou cair diante da explosão de Catherine. Eloise a olhou com desprezo e raiva. Sua amiga tinha passado dos limites. Por que não ficou em silêncio em seu quarto? Mas não! Tinha que estragar tudo! Agora, Renan não iria mais querer ajudá-la. Isso não ficaria assim. Ninguém mexia com ela e ficava impune. Cath podia ser má, mas ela sabia um jeito de dar o troco. Nunca imaginou jogar isso na cara da amiga, mas ao impedi-la de seguir adiante com seus planos de seduzir Renan, ela a obrigava a fazê-lo.
Eloise se levantou e encarou sua rival apontando-lhe o dedo indicador para o rosto de Catherine. Sabia que ela detestava esse gesto, mas não estava nem aí para o que ela gostava ou não. Sem titubear, liberou o verbo.
- Sua bruxa! Vou te contar uma coisa que está entalada há muito em minha garganta.  -  Eloise a olhava furiosa e as palavras saíram cuspidas, como farpas, de sua boca. - Cansei de fingir ser amiga de uma pessoa demente como você. A coitadinha da Cath que não tinha amigos acabou entrando pra turma mais badalada do colégio. Sabe por quê? -  Eloise virou-se para Renan e caminhou para perto do rapaz que escutava a tudo, de pé ao lado do sofá. - Renan, apresento-lhe a alma penada da casa mal assombrada ou como todos a chamam: Catherine - A Louca! Todos tem medo dela, por isso a aceitaram em seus círculos, mas eu a conheço muito bem. A mim, ela não mete medo. Pra mim você é uma fingida! Como te odeio sua ... - a garota investiu se jogando sobre Catherine enquanto puxava seus cabelos e cuspia em sua cara. 
- Chega! Eloise, saia dessa casa agora! - gritou Renan puxando os braços da garota para trás impedindo-a de arranhar o rosto de Catherine.
Eloise olhou-o com mágoa. Como ele se atrevia a ficar do lado daquela bruxa! Ela o enfeitiçara. Não havia outro motivo para ele agir assim. Renan nunca ficava bravo. Por isso gostara tanto dele. De sua alegria, seu sorriso franco, sua voz melodiosa. Ainda sentia seu cheiro amadeirado que tanto a enlouquecia quando estava perto dele. 
- Renan você não pode me tratar assim! Sou sua amiga lembra? Você disse que ia me ajudar.
- A meu ver a única que se esqueceu disso foi você Eloise. Meus tios a convidaram para esta casa e você não os respeitou. Usou de má fé para comigo e de violência com Catherine. Não vou falar uma terceira vez. Pegue suas coisas e saia agora! Não me obrigue a colocá-la na rua. -  Eloise pegou a bolsa e saiu da biblioteca pisando duro. Ao ouvir a porta bater com toda força, quase soltando as dobradiças, foi que Renan se virou para Catherine que ainda permanecia de pé, toda descabelada, sua roupa rasgada e amassada. 
- Você está bem? - perguntou inseguro.
- Se eu pudesse iria expulsá-lo de minha casa junto daquela vagabunda, mas como isso iria provocar uma guerra em minha família, vou apenas ignorar sua presença de hoje em diante. Não me dirija mais a palavra. Quando passar perto de mim, finja que não me conhece. E nunca, nunca mais entre no meu quarto sem a minha autorização! Se eu ver essa vadia na minha casa novamente, sou capaz de estrangulá-la com minhas próprias mãos. Então vá dar suas aulas de sexo em um lugar bem longe daqui! - ela espumava de ódio e mágoa por ser tão idiota e ainda acreditar nas pessoas. Mas seria a última vez que deixava que alguém a ferisse dessa forma.
- Cath, escute. Desculpe se...
- Não quero ouvir suas desculpas! Não quero ouvir sua voz! Será que você é surdo? Teria sido melhor se você nunca viesse morar em minha casa. Você não é bem vindo aqui. Eu não quero você aqui! Suma da minha frente! - berrou Catherine, as lágrimas lavando-lhe a face, os olhos vermelhos injetados de ódio.
Renan pegou suas coisas e saiu da biblioteca consternado. Catherine escorregou o corpo para o chão, encostando as costas no pé da mesa e chorou copiosamente por muito tempo. 
Um relâmpago seguido de um trovão sacudiu a casa como a somar sua raiva com o desespero de Catherine.

terça-feira, 3 de março de 2015

Capítulo 7 - Brincando com Fogo

Capítulo 7 - Brincando com Fogo


Por mais que Renan perguntasse quem era a pessoa que ferira Catherine,  ela desconversava e dizia que não era ninguém.  As feridas nas mãos, Catherine as fizera. Quem em sã consciência iria se ferir daquele jeito?  Será que era loucura?  Renan não acreditava. Por ora deixaria passar, mas ainda arrancaria dela uma resposta coerente.
O vento assobiou em seu ouvido, como se quisesse contar-lhe segredos irreveláveis. Moscas e abelhas fofocavam por entre as flores nos túmulos.  Renan nunca gostou de cemitérios.  O cheiro adocicado dos túmulos,  azedava sua alma. Queria sair dali logo.  Sem muito esforço,  ajudou Catherine a se levantar e trilharam o caminho de volta,  cada um preso em seus próprios pensamentos.
Com muito custo e algumas chantagens por parte de Renan,  Catherine explicou para o professor de economia o motivo de haver faltado a aula. Vendo suas mãos,  não havia dúvidas de que ela estava incapacitada de pegar em uma caneta. O professor lhe deu dez dias,  remarcando nova prova, especialmente para ela. Para isso , ela teria que apresentar um atestado, assinado pelo médico da Universidade.  Essa norma , evitava que os alunos comprassem documentos falsos , com intuito de matar aula.
Quando saíam da clínica,  localizada no primeiro andar do prédio próximo ao ginásio de esportes a uns vinte metros da capela,  um furacão ambulante os interrompeu fazendo com que Catherine pulasse para o lado de cara amarrada.
- Renan! Por onde você andou? Estou te procurando há horas. - Eloise , sem a menor inibição agarrou o braço dele possessivamente.  Detestava vê-lo perto da amiga. Eles já moravam juntos, não tinham por que ficarem juntos na escola também.
- Estive ocupado.  - essa foi a única resposta de Renan.  Não era necessário que Eloise ficasse a par do que acontecera. Catherine,  em um raro momento,  olhou-o com gratidão.
- Se vocês me dão licença,  tenho que ir.  - saiu apressada sem olhar para trás.
- Que garota mal humorada! - Eloise deu língua para as costas de Catherine e voltou-se toda melosa para Renan.
- Acho que me ferrei na prova hoje. Queria saber se você pode me dar umas aulas.
- Quando quiser.  Só marcar e me avisar. - Renan não tirou os olhos de Catherine até ela sumir em seu campo de visão.
Eloise reparou na falta de interesse dele para com ela e resolveu arriscar.
- Que tal começarmos neste sábado,  em sua casa? Prometo que vou me comportar.
Também tenho saudades de seus tios. Faz tempo que não vou "brincar" com Cath. Sabe , sinto muita falta de minha melhor amiga.
- Vou perguntar a meus tios. Depois te ligo.
Um sorriso radiante e travesso surgiu na face da garota.  Essa seria sua chance de passar mais tempo com Renan e afastar Catherine dele. A amizade das duas já tinha se defasado há muito tempo atrás,  mas isso não a impediria de conquistar sua nova paixão.
O sábado chegou carregado de incertezas.  Renan estava inseguro de haver aceitado o pedido de Eloise para estudarem juntos e Catherine não ajudou muito.  Apesar de dizer-lhe que não se importava, seus olhos negavam o que sua linda boca cuspia. Seus tios ficaram muito animados. Sentiam saudades da jovialidade de Eloise e como sempre, enxeram a despensa de guloseimas.
Renan tinha uma leve desconfiança de que os tios queriam engordá-lo.  Eles eram ótimas pessoas e Renan já se sentia como um filho.  Seu pai devia ter vivenciado uma infância de muito carinho e atenção.  A única exceção era Catherine.  Renan já se perguntara se a garota não fora adotada.
O toque da campainha veio tirar-lhe de seus devaneios.  Eloise estava muito sorridente e arrumada demais para a ocasião.  Trajava um tubinho sem alças  vermelho sangue sandálias de salto médio. Seu look era completado por argolas grandes e douradas  , um cordão fininho de duas voltas e uma bolsa de camurça preta de lantejoulas rubis. Prendera os cabelos em um coque frouxo , deixando alguns fios soltos caírem sobre as laterais da face.  A intenção era clara para uma pessoa perspicaz.  Eloise era a imagem da sedução.
Renan engoliu em seco.  Aquele sábado prometia ser intenso. Um arrepio subiu-lhe pela espinha alojando-se tal qual um punhal em sua nuca.  Ele sabia que Catherine estava descendo as escadas antes mesmo que ela desse o primeiro passo.  Seu sexto sentido ou seja lá o que vinha acontecendo com ele ,  solicitava cautela.
- Então você chegou. - Catherine olhou-a com um misto de reprovação e ciúmes.  Ainda não havia se trocado. Usava um roupão felpudo de capuz e orelhas de panda que caíra , displicente de sua cabeça.  Os cabelos rubros, ainda úmidos , escorriam soltos pelos ombros . As pantufas também de panda abafavam seus passos. Por isso ninguém a ouvira.
Renan não conseguia desgrudar os olhos de Catherine.  Sentia-se como se estivesse hipnotizado.  Eloise reparou em sua expressão embasbacada e o puxou pelo braço até a copa, onde os tios chamavam para tomarem o café da manhã.
Catherine sentou-se , pegou uma torrada,  passou geleia de damasco,  sua preferida e ficou bebericando seu café na xícara de porcelana que sua mãe colocara na mesa para aquela ocasião.  Como se estivesse recebendo uma visita ilustre.  Mal sabia ela que Eloise era tudo , menos alguém que deveria receber tal atenção.
- Eloise,  querida,  sentimos sua falta.  Faz muito tempo que não vem nos visitar.  -  a mãe de Catherine a repreendeu suavemente.
_ Desculpas tia. Prometo que de hoje em diante,  virei todos os sábados e talvez se a senhora não achar inconveniente,  poderei passar um fim de semana inteiro com vocês. Aí poderemos colocar o papo em dia.
- Seria ótimo!  Venha sempre que desejar.  Sinta-se em casa.
- Obrigada.  Sempre gostei muito dessa casa e de todos vocês.
- Meu maior desejo é que Cath tenha em você uma amiga e confidente. Não é bom ficar muito sozinha.
- Concordo.  De minha parte,  farei de tudo para estreitar nosso relacionamento.
Eloise e Catherine se encararam , uma fuzilando a outra como se estivessem em um ringue de box. O prêmio era óbvio para as duas. Que vencesse a melhor.
Catherine bufou e teve vontade de jogar seu café naquela máscara de falsidade.
Aquela garota estava brincando com a pessoa errada e Catherine não ia deixar por menos.

Continua...

Capítulo 6 - Feridas

Capítulo 6 - Feridas


O dia amanheceu nublado,  após uma longa noite de chuva forte e ventos loucos. Renan esquecera as janelas abertas e teve de levantar  para fechá-las. O uivo frenético do vento era angustiante e assustador.  Renan voltou a adormecer sem se dar conta de que um uivo mais aterrador que o vento , cortava a madrugada.
Um delicioso aroma de café e pão caseiro se embrenhou por baixo das portas, acordando duas criaturas , uma delas com energia suficiente para enfrentar uma maratona e a outra, um zumbi rastejante. 
- Bom dia! - cumprimentou Renan sorrindo.  Catherine acabava de descer as escadas,  de cabeça baixa coberta por um capuz negro. Ao sentar-se para comer não pronunciou nenhuma palavra. Pegou uma torrada e passou geleia de damasco sobre ela.
- Catherine! Não se deve usar luvas à mesa! - ralhou a mãe.
- Tenho frio. - respondeu sem ao menos levantar a cabeça.
- E esse capuz? Ao menos olhe para mim quando falo com você! 
- Me deixe em paz , ok. - seu pai já ia lhe aplicar um sermão , mas ela o interrompeu. - Já que não posso ter um mínimo de privacidade e tranquilidade , me retiro. Pelo menos , na escola tenho sossego quando eu quero.  - dito isto, pegou sua mochila e saiu de casa batendo a porta com força.
- Acho melhor eu ir junto. - disse Renan se levantando.
- Oh, querido! Desculpe-me pela má educação dessa menina.  - pediu a mãe de Catherine.
- Eu já me acostumei às mudanças de humor dela. Não se preocupe.
- Mesmo assim não está certo. Vou ter uma conversinha de pai para filha mais tarde.  Não quero saber de birra dentro de casa. Ela não é mais criança.  Precisa aprender a se comportar.  - retrucou meu tio, determinado.
- Bem... Então eu vou indo. Tenham um ótimo dia e obrigado por esse pão delicioso tia.
Ao ver o sorriso da tia Renan sentiu-se mais tranquilo.  Mas o que deu em Catherine pra agir com tanta ignorância com os pais?
A viagem de carro até o colégio foi realizada em total silêncio.  Por algum motivo,  Renan não dirigiu a palavra à prima. Catherine não tirou o nariz da janela.  Não havia nada de interessante para se ver do lado de fora. Uma neblina deixava tudo cinza e vazio como uma cidade fantasma.
Poucas pessoas caminhavam pelas ruas e seus passos apressados eram abafados pelo ronco dos motores dos automóveis. 
Ao chegarem ao colégio,  cada um foi para um lado. Ia ser difícil descobrir o que incomodava aquela menina birrenta.  - pensava Renan olhando Catherine se afastar dos colegas, enquanto sua silhueta sumia por trás das  portas do ginásio. 
Renan estava tão distraído,  que levou um susto ao sentir duas mãos tocarem sua nuca e lábios macios e quentes tocarem os seus. Foi apenas  um selinho dado por Eloise,  mas algo naquele gesto espontâneo ao invés de o surpreender de forma agradável,  o incomodou.
- Eloise, as pessoas estão olhando. - disse tirando as mãos da menina de seu pescoço.
- E daí?  Não estamos fazendo nada de errado.  - comentou ela fazendo beicinho.
- Você não gostou?
Aqueles olhos grandes e fingidamente magoados , quase o deixou sem ação.  Se não tomasse cuidado,  seria preso em uma armadilha. 
- Essa não é a questão. Vou deixar passar dessa vez, mas quero que entenda que não gosto desse tipo de atitude.
- Ok. Da próxima vez eu te aviso. - Eloise deu uma risadinha travessa , grudou no braço de Renan e caminhou ao seu lado tagarelando sem parar. 
Enfim , entraram na sala. Bastou um olhar de relance para Renan perceber que Catherine não estava presente.  Onde ela havia se metido?
O professor de Economia, um senhor magro como um graveto, com olheiras profundas  e sobrancelhas negras, espessas, anunciou uma prova surpresa.  O descontentamento foi geral.
- Quem teve a má sorte de faltar essa aula,  está fadado à repetir o semestre inteiro.  Salvo se provar que estava inconsciente em uma cama de hospital.  - disse categórico.
A balbúrdia mal teve início e morreu com a implacável voz tumultuar do professor Oswald. Não havia necessidade de gritos ou de qualquer barulho para calar a boca dos alunos.  Renan reparou que apesar de parecer um cadáver , o professor de economia era bastante temido por todos.
- Preocupado com a ausência da prima e com a possibilidade dela ter que repetir o semestre,  Renan mandou uma mensagem para o celular dela, explicando a situação.  A resposta já era esperada, mas Renan ficou com raiva e durante todo o tempo, aquelas palavras ficaram martelando em sua mente.
- DANE-SE! - respondeu Catherine.
Aquilo era estranho.  Apesar do seu humor irascível,  Catherine era aplicada nos estudos e economia era uma disciplina difícil.  Não era do seu feitio agir como se não se importasse.
Enfim,  terminou o tormento.  Tiveram mais uma aula de História Geral e o sinal do intervalo veio aliviar as mentes fatigadas.  Renan desviou-se de Eloise,  inventando algo a respeito de entregar um documento na secretaria e saiu para o pátio apressado.
Sua mente estava em turbilhão,  não por conta da prova surpresa,  mas porque mada lhe tirava da cabeça que algo havia acontecido com Catherine. 
Procurou-a nos lugares que ela costumava frequentar como o ginásio de esportes,  a biblioteca e até na capela, mas não a encontrou. Parou alguns alunos, pelo caminho , perguntando se a tinham visto, mas ninguém sabia de nada. Tentou ligar para o celular dela, mas novamente ouviu a mensagem de que estava desligado.
Olhando aquela imensidão que era o colégio,  tentou imaginar como a encontraria. Alguém deve tê-la visto. Senão os alunos,  provavelmente algum funcionário.  Renan resolveu perguntar a um faxineiro , que limpava as vidraças externas da capela.
- Com licença.  O senhor viu essa menina?  - perguntou Renan mostrando uma foto em seu celular.  Nem sabia porque havia guardado. Tirou-a num impulso.  Na foto, Catherine estava de pé,  recostada no tronco de um hibisco , lendo um livro. Estava tão serena e linda,  que ele não resistiu.
- A senhorita Catherine?  A última vez que a vi , ela estava conversando com alguém no cemitério. - vendo minha cara de espanto , ele sorriu com os poucos dentes que lhe restavam. - Vejo que é novo por aqui.  Está vendo aquela trilha de pedra , ladeada por aquelas árvores?  Siga até o final e irá encontrar uma grande área cercada.  Acho que a vi , no quinto corredor paralelo ao portão de entrada.  O senhor vai ver logo uma grande arvore com galhos tortos e nodosos. Eu a vi sentada em um deles.
- Muito obrigado senhor...
- Simon. - completou ele.  - Só uma coisa. - emendou antes que eu partisse. - Tenho certeza de ouvi-la conversando com alguém,  uma vez que fazia perguntas e parecia muito aborrecida. No entanto,  não havia mais ninguém naquele lugar além dela e de mim.
Renan ficou intrigado , mas agradeceu novamente ao senhor Simon e começou a  atravessar a trilha.
Um sentimento perturbador apertou seu peito , deixando-o angustiado.  Só o fato de saber que havia um cemitério dentro do terreno do colégio,  já o deixara arrepiado. Não era um cara medroso,  mas imaginar Catherine lá dentro , talvez convamdo com algum rapaz, se encontrando com ele às escondidas em um lugar lúgubre como aquele,  fez com que fosse cauteloso em seus passos. Olhando para todos os lados, entrou no cemitério.
Ao virar o quinto "corredor", Renan viu a alguns metros a tal árvore que Simon mencionou. Como entendia um pouco de botânica,  reconheceu ser ela um carvalho gigante, daqueles que ele lia nos livros quando criança.  Chegando mais perto encontrou Catherine adormecida aos pés da árvore.
Um misto de alívio e raiva brotou em seu peito,  fazendo com que Renan sacudisse a garota , segurando-a firmemente pelos ombros. Olhos assustados viraram-se para ele.
- Me larga! - reclamou Catherine dando um tapa no rosto de Renan. Catherine fez menção de se levantar,  mas foi impedida por braços fortes.
- Sua pestinha!  - xingou enquanto segurava firmemente os pulsos da garota sobre a luva de couro. Catherine gritou de dor quando ele apertou seus dedos quando ela tentou escapar.
- Me solta! - gritou ela tentando morder o braço direito dele. Sentindo um forte aperto , Catherine uivou enquanto lágrimas quentes nublavam-lhe a visão.
Só então,  que Renan reparou na linha vermelha que a luva deixou entrever com o esforço de segurar a garota.
- O que é isso? Você está ferida! É por isso que está usando luvas desde cedo não é? Por isso não assistiu às aulas?
- Isso não é da sua conta!  Deixe-me ir. Tenho que voltar pra sala. - Catherine implorava , enquanto tentava se soltar.
- Não me faça rir. Não sou tão idiota quanto você pensa. Quero ver suas mãos!  Vamos tirar essas luvas.
- Não! Por favor!  - Catherine suplicava. Se fosse em outra ora ou com outra pessoa,  Renan teria desistido, mas algo lhe dizia que precisava ver com seus próprios olhos.
Por fim, cansada de lutar,  Catherine deixou que lhe tirasse as luvas. As ataduras improvisadas estavam manchadas de sangue coagulado.
- Tá vendo? Machuquei as mãos,  mas já vão sarar. Agora me deixe ir.
- Fique parada! Preciso ver qual é a gravidade.
- Não foi nada. Só um arranhão.  Um gato me arranhou, foi isso.
- Você realmente acredita que sou otário não é?  Não me compare com seus amiguinhos de presépio.
Quando as ataduras foram desfeitas, grandes e profundos talhes vermelhos cobriam as duas mãos de Catherine,  do pulso até os dedos. Ela fechou os olhos e caiu em pranto convulsivo.
- Foi... Catherine olhe pra mim. - ela olhou para aqueles olhos consternados, as lágrimas escorrendo por sua face pálida.
- Quem fez isso?
Uma única palavra de três letras saiu de seus lábios trêmulos.
- ELA.- Catherine abraçou Renan que não entendeu. Quem seria ELA?
Continua. ..

Capítulo 5 - Ciúmes

Capítulo 5 - Ciúmes


O restaurante universitário era espaçoso,  composto de mesas e cadeiras , em padrão cerejeira,  de quatro a seis lugares. O chão era revestido com tábuas de madeira envernizadas, seguindo o mesmo padrão das mesas. A construção era toda em vidro transparente.  Apenas as colunas que a sustentavam eram de pedra escura, o único contraste com a claridade do local. Uma porta giratória,  do tipo que encontramos em bancos , com detector de metais, sinalizava a entrada e saída. Quando Renan e Eloise entraram, o restaurante estava cheio. As altas vozes,  as risadas e o barulho de talheres e o arrastar de cadeiras os receberam como velhos conhecidos. Nem se importaram com a placa de "Silêncio" afixada em uma das colunas.
Uma mistura de cheiros salgados e doces vinha em ondas como um anfitrião atencioso. Era de dar água na boca.  Renan reparou em um self-service ao fundo, do lado direito em relação à entrada. Do lado esquerdo ficavam os banheiros e lavabos.
- Encontrei um lugar pra gente. - disse Eloise eufórica. 
- Esse lugar é realmente incrível.  - comentou Renan admirado.
- Pra mim é normal.  - disse a garota dando de ombros.
Logo a seguir,  arrastou Renan, agarrando-lhe o braço até uma mesa de seis lugares onde dois casais entabulavam uma conversa animada.
- Dá licença Aroldo, Juliet. - Eloise segurou uma cadeira e ficou olhando fixamente para Juliet,  uma menina franzina e sardentinha que estava sentada na cadeira na qual ela, Eloise, havia escolhido para que Renan se sentasse. Bem ao seu lado.
Juliet entendendo os olhares que lhe eram dirigidos,  levantou-se e foi se sentar em uma das cabeceiras da mesa. Mal teve tempo de encostar nela e já teve que se levantar novamente.  Aquele, decididamente,  não era nem o dia nem o momento de se rebelar contra as duas maiores intimidadoras do Victoria's Queen.
- Bem, não estou com muita fome hoje.  Já vou indo então.  -  disse Juliet como se desculpasse por sua presença desinteressante.  E saiu do restaurante de cabeça baixa. O rosto completamente vermelho.  Se era de raiva ou vergonha só ela sabia.
- Olá Aroldo,  Laurie, Paul. - Catherine cumprimentou os colegas que responderam admirados da garota lembrar de seus nomes. Ela não era uma pessoa muito amigável.  No entanto,  ninguém queria cair em desgraça. 
- O que você quer comer? - Eloise perguntou a Renan.
- O que você me sugere? - disse ele.
- Hum! Vamos ver... Filé ao molho madeira com espargos e champignon,  arroz á la grega e salada de rúcula.  É meu prato favorito. - disse Eloise toda doce enquanto fazia desenhos circulares na manga do casaco de Renan.
Catherine fez cara de quem ia vomitar e recebeu um olhar acusador do primo.
- Pensei que o prato preferido dos alunos fosse nuggets com batata frita. - comentou ele sorrindo. Catherine reparou que quando ele sorria, duas covinhas apareciam ao lado de seus lábios.  Pigarreando ela desviou o olhar para os olhos do primo que a olhava desconfiado.
Eloise deu uma risada gutural e respondeu toda dengosa.
- Bem,  também.  A maioria come isso.  Eu prefiro uma alimentação saudável que não me traga dissabores no futuro. Se é que me entende. 
Eloise passou a mão em seu corpo,  denunciando os seios fartos escondidos sob o uniforme e sua silhueta impecável.
Renan engoliu em seco afirmando com um balançar de cabeça que havia entendido.
- Vocês mal se conheceram e parecem muito próximos.  - argumentou Catherine.
- Sinto como se tivéssemos nos reencontrado nessa vida. Renan, será que fomos amantes em vidas passadas? - Eloise conjecturou aproximando-se mais do garoto.
- Será?  - indagou ele olhando de soslaio para a prima e no instante seguinte , encarou Eloise. Ela parecia deliciada com a hipótese sugerida.
- De toda forma, não acredito em coincidências.  Nosso esbarrão de agora a pouco pode ter sido uma artimanha dos deuses para nos juntar novamente.
- Pode ter acontecido assim,  como você diz. O que pensa disso priminha? - perguntou Renan que parecia muito interessado em sua resposta ou apenas queria, como sempre, lhe provocar. Mas ela não ia fazer seu joguinho. Orgulhosa,  ergueu o queixo e respondeu.:
- O que eu penso é que vocês são loucos. Totalmente pirados.  - disse ela rodando o indicador em círculos ao redor da orelha direita.  - Não existe essa de amor eterno , nem vidas passadas.  É melhor comerem logo, pois já vai tocar o sinal.
- Nossa! Como você tá rabugenta hoje Cath. Que bicho te mordeu? - reclamou Eloise de cara feia pra amiga.
- Sou sempre assim. Você é que não deve ter reparado.  Todo esse tempo juntas e nem conhece a amiga.  - retrucou olhando Eloise desafiadoramente.
- Ah! Não me amole! Se está naqueles dias era melhor ter ficado em casa. - acusou.
- Calma meninas!  Não vamos nos exaltar. Eloise,  Cath está com ciumes não percebe? - Renan não se deixou retrair ao receber o olhar colérico de Catherine.
- Ciúmes de mim? - Eloise apontou a mão para si própria.
- Não sei. Mas conheço um ataque de ciúmes quando me deparo com um. Agora vamos nos servir. Como disse nossa princesa ciumenta,  já é quase hora de voltarmos pra sala de aula.
Quando Catherine se viu sozinha,  pois os colegas já haviam saído tão logo terminaram suas refeições,  ela rasgou os guardanapos que estavam dentro do suporte de madeira em tiras, tal era seu mal humor.
- Eles me pagam! A se pagam.
Quando Renan e Eloise voltaram para a mesa, Catherine já havia saído.
Renan balançou a cabeça e um sorriso debochado marcou-lhe os lábios.
Continua. ..

Capítulo 4 - Colégio Victoria's Queen

Capítulo 4 - Colégio Victoria's Queen


Os primeiros raios de sol incidiram nos olhos de Renan que custou a abri-los. Seu desejo era permanecer embaixo do edredom até o meio-dia, mas seu outro eu, aquele que se recusa a esquecer os compromissos, empurrou-o para fora da cama. Um banho frio era o que precisava. - pensou ele, mas logo desistiu quando viu a chuva fina molhando a vidraça da janela.
- Droga! - reclamou chutando os próprios sapatos enquanto se dirigia ao banheiro contíguo ao seu quarto.
O sistema de aquecimento era à gás, diferente do elétrico que Renan e o pai usavam em seu apartamento em New York. No centro do banheiro uma grande banheira circular branca com pés de mármore negro parecia pedir que a usassem, mas Renan preferiu uma ducha. Aquela banheira lhe dava pensamentos inapropriados para o momento.
Terminado o banho, escovou os dentes e penteou o fartos cabelos castanhos. Voltando ao quarto, pegou o uniforme do colégio, camisa de cambraia branca e calça de linho azul-marinho e blazer da mesma cor da calça. Renan não estava acostumado que cuidassem de suas coisas e lamentou quando pegou os sapatos de couro preto lustrosos. Ficariam enlameados antes de chegar ao colégio. Tanto trabalho desnecessário! - resmungou pegando a mochila e saindo.
Renan trombou com Catherine na escada e quase caíram. Ela o fuzilou com o olhar e saiu pisando duro. Renan segurou-se como pode ao corrimão e massageou o ombro dolorido.
- Belo começo de dia! - falou ele para si mesmo enquanto caminhava até a sala de jantar para tomar seu desjejum.
A mesa estava posta com chá e biscoitos, torradas, ovos, suco de laranja, leite e diversos tipos de pães. Se não ingressasse logo em algum esporte no colégio, Renan perderia a boa forma em um mês.
Seus tios pareciam estar esperando sua chegada, pois nada parecia ter sido tocado. Um olhar para sua prima e Renan percebeu que ainda estava emburrada. Bem vou tentar evitar esbarrar nela novamente. - pensou ele.
- Bom dia! - disse os tios em uníssono.
- Bom dia!
- Espero que tenha dormido bem. Fiquei preocupada que a mudança de ares o deixasse com insônia. - comentou sua tia Ruth.
- Dormi bem sim tia. Não precisa se preocupar.
 - Hoje é seu primeiro dia de aula no Colégio Victória's Queen. - comentou o tio. - É uma excelente instituição de ensino, a melhor da Inglaterra ouso dizer. Sei que vai gostar dela.
 - Vou gostar sim tio. Obrigado. - disse Renan depois de engolir sua torrada com geléia.
 - E quanto a você Cath espero que não seja suspensa logo no primeiro dia. Tente ao menos esperar passar um mês. - disse tia Ruth a minha prima.
 - Mãe! Pare de me humilhar na frente dos outros! não tenho culpa se aquela diretora olhuda não vai com a minha cara! - respondeu Catherine levantando-se. - Já está na hora!
 Renan também se levantou, despediu-se dos tios e seguiu a prima até os jardins onde, para sua surpresa, uma limousine os aguardava. Bem pelo menos não sujaria os sapatos. - pensou Renan, mas por outro lado teria que se sujeitar a sentar próximo à prima e ignorá-la por todo o trajeto até o colégio. Isso seria difícil, pois não podia deixar de admirá-la em seu uniforme de camisa branca, saia azul marinho pregueada até os joelhos, meias brancas e sapatos pretos.
 O uniforme dos alunos possuíam a mesma cor, mas não havia como negar que o feminino tinha seus atrativos. Catherine passou o tempo todo olhando para a janela. Renan estava tão próximo que se levantasse o braço poderia tocar seu cabelo. Madressilva. Era esse o perfume que exalava daqueles anéis cor de fogo. Renan resolveu fazer o mesmo que ela. Pela janela não dava para distinguir muita coisa, pois a chuva aumentara e só podia ver borrões cinza correndo rápido enquanto o veículo rodava pela estrada de terra.
 O carro parou em frente ao que parecia ser uma estupenda mansão vitoriana. Tinha cinco andares e sua extensão era dez vezes maior do que a casa de seus tios. O telhado era vermelho, as janelas de vidro claro, as paredes brancas com archotes pendurados próximo às portas duplas de carvalho que abriam-se para dentro.
 Renan contou seis só na frente do colégio. Parecia um museu ou um castelo de contos de fadas. No lado leste, um pouco ao fundo dava pra distinguir a torre de uma igreja tão alta quanto o colégio. Se não estivesse chovendo tanto, Renan poderia ter se surpreendido ainda mais com os jardins à frente da construção. Só o lago já o deixou estupefato.
 - Só pode ser alucinação. - murmurou ele sem se importar que Catherine o ouvisse. - Vou levar mais de uma semana pra conhecer só a metade desse lugar. Se meus amigos estivessem aqui. Putz! - exclamou enquanto saía do carro.
 Subiram as escadas correndo para não se molharem. Catherine não deu uma única palavra, nem Renan se dispôs a puxar assusto. Estava demais deslumbrado pra se acercar da presença da prima.
 O hall de entrada estava apinhado de alunos. A maioria reunidos em grupos de três a cinco membros riam e falavam alto. Uma escadaria no centro do salão levava aos outros andares. Renan reparou que havia três elevadores no lado esquerdo da entrada e havia uma fila de alunos para utilizá-los. O teto era pintado com afrescos de cavaleiros medievais em luta de lanças e espadas, trajando mantos vermelhos com dourado e deuses de feições austeras lançando magias. Renan ficou tonto. Quando olhou para baixo percebeu que o salão estava quase vazio.
 - Droga! Tenho que correr! - exclamou para si mesmo enquanto procurava a secretaria para pegar seus horários de aula. Quase se perdeu no emaranhado de corredores, mas conseguiu encontrar seu destino depois de alguns minutos. Uma mulher morena e idosa, trajando um terno azul marinho com o símbolo do colégio estampado no lado esquerdo do blazer, duas espadas cruzadas sob um falcão negro o recebeu com um sorriso.
 - Você é novo aqui não? Terceira série? - ele confirmou. - Aqui está seu horário de aula. É melhor correr. O sinal já bateu. - a mulher parecia um robô e Renan sentiu-se incomodado.
 - Obrigado. Quinto andar? Sala 52 B? - perguntou ele para ninguém. Correu para o hall onde ficavam os elevadores e entrou afobado.
 Ao se aproximar da sala de aula hesitou, pois já havia começado. Bateu à porta, pediu licença e entrou. Sentou na primeira carteira vazia que encontrou, atrás de uma menina loirinha e começou a prestar atenção ao que o professor estava dizendo.
 As aulas transcorreram tranquilas. Quando Renan pegou sua mochila e encaminhou-se para a saída, um tufão em forma de uma garota morena de lindos cabelos negros até a cintura, se chocou a ele espalhando cadernos e folhas pra todo lado.
 - Olha o que você fez seu idiota! - gritou a garota tentando recolher seu material. Um grupo de meninos dava risadas e apontava para eles.
 - Perdão. Pode deixar senhorita que eu recolho seu material. - desculpou-se Renan. Ao ouvir sua voz a garota levantou a cabeça e por um momento esqueceu-se de tudo a sua volta. Foi como se tivesse sido sugada para o fundo do mar.
 - Você está se sentindo bem? - perguntou Renan preocupado, pois a garota tinha ficado pálida.
 - Si... sim. Ah... é... obrigada. - gaguejou ela quando Renan entregou-lhe a última folha.
 - Não tem o que agradecer. Fui um completo idiota. Para me redimir peço que aceite almoçar comigo. Tudo por minha conta. - convidou ele oferecendo-lhe seu mais cativante sorriso.
 - Vamos fazer isso direito. - disse ela sorrindo de volta. - Muito prazer! Sou Eloise Dolman e aceito seu convite.
 - Encantado. Sou Renan Gabriel Williams, seu servo milady. - informou ele pegando a mão de Eloise enquanto fazia uma pequena reverência. Isso causou mais uma crise de risos nos alunos que presenciavam a cena. Renan deu o braço a Eloise e caminharam até o restaurante da universidade. Catherine que vira e ouvira tudo do lado de dentro da sala, saiu pisando duro e fuzilando a todo e qualquer ser vivo que cruzasse seu caminho.
 - O que esse idiota pensa que está fazendo? - perguntou para si mesma. - E o que a minha melhor amiga viu nele afinal? Já sei. Vou vigiá-los de longe e ver onde meu "querido" primo pretende chegar com essa palhaçada. - resolveu ela enquanto seguia o casal que não parava de falar e rir um com o outro.
Continua...

Capítulo 3 - O Primeiro Dia

Capítulo 3 - O Primeiro Dia


Após o choque do primeiro encontro com a família de seu tio, da reação desproposital de sua prima Catherine e do entusiasmo contagiante de sua tia Ruth, Renan sentia-se perdido. Não estava acostumado com tais demonstrações de sentimento. Seu pai era muito polido, tratava-o com carinho e respeito, mas nunca chegara ao extremo nas relações pai e filho.
O ambiente ao qual agora vinha a conviver era completamente diferente do que vivera anteriormente. O quarto que lhe fora destinado era, sem exageros, muito aquém do que pudera imaginar. Amplo e bem iluminado, as paredes revestidas de papel azul claro, a mobília de carvalho estilo Luiz XIV, francês, com ornamentação extravagante, a cama de dossel com entalhes de anjos na cabeceira, tudo fazia-o crer que estava na época errada e no lugar errado.
 Renan foi até a janela e afastou as cortinas de tafetá branco. Ficou quase uma hora apreciando a paisagem e a mudança de tonalidade das folhas das árvores enquanto o sol mudava de posição em sua eterna vigilância das horas. Não entendia muito de mulheres. - pensou ele. Depois da morte da mãe, seu pai não quis se casar novamente e as garotas da escola lhe eram indiferentes. É claro que namorara uma ou outra menina, mas nunca entregou seu coração a nenhuma delas.
 Uma batida na porta freou seus pensamentos.
- Com licença Renan. - tio Vicente estava bem a vontade de terno bege e gravata cinza. - Sua tia pediu para avisá-lo que o almoço será servido no terraço, próximo aos jardins, daqui a cinco minutos. 
- Obrigado. Não vou me demorar. Já guardei minhas coisas. - respondi querendo parecer educado.
- Espero que tenha gostado do quarto. Confesso que não tive nada a ver com a escolha. Tudo obra de sua tia. - o tio parecia estar se desculpando.
- É um ótimo quarto. - respondi. E como ele parecia não crer em minha resposta acrescentei que não poderia ter escolhido melhor lugar e a vista era maravilhosa. Meu tio sorriu e deixou-me só novamente.
Chegara a hora de encarar sua nova família. Renan não via a hora de sair e conhecer a cidade. Poderia comer um hambúrger e tomar um refrigerante numa lanchonete, mas teve que se sujeitar a primeira refeição com pessoas que nada tinham a ver com ele a não ser os laços familiares.
 Desceu as escadas sem pressa. Virou a esquerda, atravessando a sala até avistá-los numa pequena mesa retangular de madeira escura e toalha branca. Ao menos era ao ar livre e Renan poderia respirar mais aliviado. Os tios estavam sentados um em frente do outro e sua prima, de cabeça baixa, ficara com a cabeceira de costas para a casa, assim só restara a Renan ocupar a outra que dava para os jardins.
- Espero não estar atrasado. - disse Renan ainda de pé ao lado da mesa.
- Em absoluto. Vamos começar agora que chegou. - disse tia Ruth fazendo sinal para um casal de garçons que só agora Renan percebia estarem um de cada lado da porta do terraço. Ele engoliu em seco, pois não havia imaginado que seria assim.
 Os pratos eram variados e muito saborosos. A conversa fluiu sobre seu pai, o início de seu ano letivo e seus gostos a respeito de livros e música. Os tios lhe davam o direito de ouvir o estilo de música que desejasse, desde que respeitado os horários em que eles estivessem em casa. Vez ou outra faziam uma pergunta a sua prima e ela apenas movia a cabeça ou se expressava com monossílabos quase inaudíveis.
 Quando a conversa chegou ao ponto das relações entre sexos, resolvi mudar de assunto para algo menos constrangedor.
- Os jardins são muito bonitos. É a senhora mesmo quem cuida deles?
- Às vezes quando sinto vontade, mas temos um jardineiro que cuida de tudo. Mas obrigada pelo elogio. Adoro meu jardim. - complementou ela enquanto pedia que enchesse meu copo com mais suco de laranja.
 Passado alguns minutos o silêncio voltou a reinar na mesa. Quando levantei a mão para pegar um guardanapo senti como se vários espinhos penetrassem minha pele. Catherine tinha feito o mesmo e por um instante nossos dedos se tocaram. Eu recolhi a mão rapidamente, enquanto ela levantara de um salto e sem pedir licença correu para dentro de casa. Perdi completamente o apetite depois disso. Recusei a sobremesa alegando não haver espaço para ela e tive que ouvir as desculpas de meus tios a cerca do comportamento inapropriado de minha prima à mesa. Agradeci o almoço e disse que gostaria de conhecer a cidade. Meus tios queriam que eu fosse com o motorista, mas recusei veemente alegando que gostava de caminhar.
 Recebi uma lista do material escolar que deveria encomendar numa livraria da cidade e me despedi deles com a promessa de que voltaria para o jantar. Nada mais me faria feliz do que juntar minhas coisas e fugir daquele lugar. Preferia mil vezes o alojamento masculino do colégio ou um hotel, mas meus tios ficariam horrorizados se eu mencionasse qualquer lugar que não fosse seu lar.
 A cidade era pequena, mas abrangia tudo o que eu pensava encontrar. Resolvi me livrar do incômodo de comprar os livros escolares, deixando a lista numa livraria e pedindo que fosse entregue no Solar Mrs. Vitória, onde meus tios moravam.
 Comprei um refrigerante na lanchonete Oxford e como ela estava praticamente vazia resolvi dar uma volta pelos arredores. Os prédios de pedra cinza pareciam frios por fora, mas eram quentes e aconchegantes por dentro. Resolvi descobrir o que era a Gruta do Vale e me surpreendi com uma taverna estilo medieval. Sentei numa mesa de fundo. Dali pude ver todo o ambiente. As janelas possuíam vitrais coloridos, o chão era de cimento, as mesas e cadeiras eram de madeira rústica bem desgastadas. Lampiões à óleo pendiam em correntes do teto todo em pedra. O balcão era feito de barris e o apoio de carvalho. A música era tocada por um grupo bem animado no fundo da taverna, bem próximo onde estava sentado. Amei o lugar. Aquele seria meu refúgio. A maioria dos frequentadores eram rapazes que variavam entre quinze e quarenta anos pelo seu modo de vestir e falar. Algumas moças frequentavam o local, mas estavam acompanhadas.
 Renan ficou horas bebendo e ouvindo canções irlandesas. Fez contato com os músicos e acabaram virando amigos. Dois dos violeiros estudavam na mesma escola que ele iria frequentar e a conversa seguiu com os comentários dois três sobre aulas, professores e métodos de estudo.
 Já passara da hora de voltar para o Solar e Renan muito a contragosto despediu-se dos novos amigos e voltou para o novo round com sua família. Era de se esperar que sua prima não comparecesse ao jantar, mas para surpresa de Renan ela estava presente. Catherine irradia felicidade e beleza em seu vestido azul turquesa de corte reto até os joelhos. Cumprimentou Renan quando ele entrou na sala de jantar e chegou até a lhe perguntar se havia gostado da cidade. Um olhar para o seu tio fora o bastante para Renan entender que o tempo que ficara ausente, fora gasto com uma conversa franca com a enteada. Renan não sabia no que aquela falsa cortesia iria dar, mas não se preocupou com mais nada além da hora de ir para seu quarto.
 Estava demais cansado da viajem e do encontro com seus parentes para não dormir de imediato. Renan teve pesadelos envolvendo sua prima. Ela implorava que a salvasse de algo ou alguém que ele não conseguia identificar no sonho. O choro de Catherine acabou acordando-o e Renan percebeu que o sonho se fora, mas aqueles soluços eram reais. Jogou os lençóis de lado e saiu da cama.
 Ao abrir a porta pode ouvir murmúrios e gemidos vindo do quarto de sua prima. Foi até lá e testou a maçaneta da porta. Estava destrancada. Abriu-a com cuidado e caminhou lentamente até o leito de Catherine. Quando removeu o véu que o cobria assustou-se com a expressão de pavor no rosto de sua prima. Ela também estava tendo um pesadelo e parecia estar sofrendo muito. Seus braços estavam arranhados e os lençóis bem amassados se amontoavam aos pés da cama. Seu rosto estava banhado de suor e lágrimas escapuliam de seus olhos.
 Era uma cena muito chocante e Renan não teve outra escolha senão abraçá-la com força. Ela tentou se libertar socando-lhe o peito e se sacudindo, mas as palavras de conforto de Renan logo a acalmaram.
- Shii! Está tudo bem. Foi só um pesadelo. Calma! Calma! - murmurou Renan embalando-a como a uma criança apavorada.
 A menina silenciou aos poucos e voltou a dormir agarrada ao pescoço de Renan que só a largou quando percebeu que seu sono voltara ao normal. Deitou-a novamente e a cobriu. Teve vontade de tocar o rosto frágil, mas temeu acordá-la. Não querendo se demorar muito no quarto da prima Renan voltou ao seu próprio, mas não conseguiu pegar no sono pensando no que houvera há pouco. Era muito para um único dia e a saudade de seu pai e seu antigo lar doía-lhe no peito.
 Esperava apenas que o dia seguinte fosse mais tranquilo. Sentia que alguma coisa estava errada, mas não sabia o que era. Achou melhor tentar voltar ao sono e deixar que o futuro lhe desse as respostas.

Continua...

Capítulo 2 - Os Sentimentos de Catherine

Capítulo 2 - Os Sentimentos de Catherine


As cortinas balançavam ao sabor da brisa de outono no quarto do sótão onde Catherine dormia um sono agitado. O pesadelo de todas as noites desde que viera com a mãe morar na casa Vitoriana estava deixando-a exausta. Ela tentava desesperadamente fugir de algo, mas sempre a alcançavam e a prendiam novamente. Catehrine acordou sobressaltada. Os olhos frios pousaram sem brilho nos móveis de cerejeira espalhados desordenadamente por seu quarto. Ela já os mudara de lugar vezes sem conta. Nunca se sentia satisfeita. Os hematomas nas pernas eram constantes agora, pois sempre trombava com os móveis no escuro. A cama de dossel alta coberta por uma cortina de filó rosa era a preferida por seus joelhos.
Um pensamento a fez bufar de raiva. Hoje seria o maldito dia em que o tal sobrinho de seu padrasto iria chegar para morar com eles. Não o queria ali por um dia quanto mais por um ano inteirinho. Catherine desceu da cama e calçou as pantufas de ursinho. Eram ridículas com aquelas orelhas penduradas, mas esquentavam bem o pé.
 - Será que o desligado de seu padrasto não havia entendido que não queria dividir a família e a casa com um estranho? - Já não tinha deixado claro desde o dia em que o padrasto viera contar a novidade no café-da-manhã que não queria intrusos em sua vida? Ele é claro, a ignorou por completo dizendo que era seu dever abrigar o sobrinho enquanto o irmão viajava a trabalho. O que lhe dava mais raiva era ver que sua mãe concordara com tudo e estava muito entusiasmada com os preparativos para a chegada e estadia do moleque em nossa casa. - Catherine pegou um bibelô de louça com o formato de um anjo e o jogou na parede a sua frente com toda força. Ela não aceitou ajudar a mãe em nada. Sempre estava ocupada estudando ou saindo com os amigos. Se recusava terminantemente a compactuar com aquela loucura. E olha que ela tentou dissuadi-los. Fez até greve de fome, mas desistiu antes que ficasse fraca demais. Nada que fizesse ou dissesse fez com que mudassem de ideia. No final fingiu aceitar o intruso, mas não iria facilitar as coisas para ele. Não mesmo.
Catherine sentiu a presença do moleque antes mesmo que o carro passasse pelo portão. Era uma presença forte, ousada e uma fonte de problemas intermináveis. Caminhou até a janela e o acompanhou com o olhar até que ele percebera sua presença. A atmosfera do ambiente modificara completamente. O ar parecia sólido e eletrizante. Ela se afastou da janela ao ouvir a mãe chamá-la.
Resolveu se esmerar no vestuário. Não apareceria na frente do intruso com desleixo. Vestira um terno de seda rosa com camisa de cambraia branca com babados na gola e uma saia pregueada também rosa que ia até o início dos joelhos. Calçou seu mocassins de couro branco e cobriu as pernas com meias finas cor da pele. O cabelo vermelho caía em cachos pelos ombros.
Ao descer a escada ao lado da mãe Catherine se enfureceu ao perceber o quanto a outra parecia estar feliz com a presença do estranho em sua sala de visitas. Isso fez aumentar ainda mais a sua raiva. Quando os olhos do moleque voltaram-se para ela, Catherine teve que se segurar no corrimão da escada para não cair. Uma leve tontura tomou conta dela que devolveu o olhar chispado de ódio para aquele garoto detestável. Seria inimiga dele. Isso estava bem claro em seu olhar.
Continua...

Inesperado Amor : Capítulo 1 - Mudanças

Capítulo 1 - Mudanças



As malas estavam prontas, as passagens compradas, o apartamento alugado. Não havia argumento capaz de fazer o pai de Renan voltar atrás na sua determinação em se mudar para a Nova Zelândia. Ao conseguir a tão sonhada promoção em seu trabalho, Pablo, seu pai, iria gerenciar uma empresa de artigos esportivos na Austrália. Renan ia ficar com o tio em Londres. O problema é que Renan vira o tio pela última vez no enterro da mãe quando ele tinha apenas seis anos. Já se foram onze anos desde aquele dia de tristeza. Renan mal se lembrava dele e agora teria que morar em sua casa pelos próximos doze meses.
Seria um martírio. - pensou Renan. Morar numa casa estranha com pessoas praticamente desconhecidas.
- Você ficará bem filho. - disse o pai abraçando-o.
Pai e filho eram muito parecidos. Os dois eram morenos, possuíam cabelos negros e lisos cortados bem curtos. Malhavam na academia diariamente, corriam no parque e nadavam no clube aos fins de semana. Renan raramente ficava doente, pois além de fazer exercícios regulares, ainda mantinha uma alimentação saudável fonte de vitaminas e fibras.Um último adeus e Renan embarcou no avião que o levaria para sua nova vida. Ao chegar a Londres caminhou vagarosamente até o saguão do aeroporto. Teria passado pelo tio sem o reconhecer se ele não tivesse chamado seu nome. Renan esboçou um meio sorriso e apertou a mão estendida pelo tio. Vicente era tão alto quanto o pai de Renan, mas a semelhança não continua. Pablo tem trinta e dois anos e Vicente trinta e nove. O tio tinha cabelos louros e cacheados. Pablo herdou os olhos e o cabelo da mãe.
- Espero que tenha feito uma boa viagem. - disse o tio interrompendo as divagações do sobrinho.
- Fiz sim. - respondeu Renan e acrescentou: - Obrigado.
- Por que agradece? - perguntou o tio confuso.
- O senhor não precisava aceitar-me em sua casa. Eu poderia ficar numa pensão ou república estudantil. - Renan estranhou o sorriso largo do tio, não estava acostumado com isso. O pai quase não sorria e mesmo ele só o fazia em raras ocasiões.
- Não se preocupe rapaz. Não será incômodo algum. Minha esposa Ruth e minha enteada Katherine vão adorar tê-lo em nossa casa. Venha! Elas estão nos esperando para o chá das cinco. Você deve estar azul de fome. - o tio parecia entusiasmado com sua presença e isso o deixou um pouco feliz.Renan quase não comera durante a viagem, mas não se achava preparado para sua primeira refeição com sua nova família.

Fazia frio e ele aconchegou-se mais ao casaco de veludo marrom que o pai lhe comprara no último inverno. Um leve formigamento em sua orelha esquerda estava deixando-o mais nervoso do que o normal. Toda vez que isso acontecia era sinal de que teria problemas pela frente. Por esse motivo não apreciou a vista da janela do carro do tio. Vicente por sua vez nem reparara na mudança de comportamento do sobrinho. Ele falava sem parar sobre o trânsito, a família e a escola onde Renan faria o último ano do Ensino Médio. Pensar em uma nova escola embrulhou o estômago de Renan e o fez suar frio. Infelizmente teria que enfrentar mais essa chateação.
A casa em estilo vitoriano deixou-o com dificuldade de respirar. Nunca imaginara que o tio tivesse condições de morar numa mansão como aquela, mesmo sendo dono de uma das empresas de segurança mais respeitadas de Londres. O portão automático abriu e a primeira impressão de Renan foi a de que estava dentro de um filme medieval. Apenas as câmeras de segurança nas laterais do muro lhe pareceram reais. A fonte em forma de cisne e as estátuas de anjo eram ou pareciam ser de outro tempo. Pedras cinza adornavam as laterais das paredes brancas da casa. As janelas largas possuíam vidros escuros e lisos. Eram nove janelas ao todo. Cinco no andar superior e quatro no térreo. Bougainvilles Amarelos ladeavam a entrada da casa.
Enquanto o tio colocava suas malas no chão e abria a porta, Renan sentiu os cabelos da nuca arrepiarem. Alguém estava olhando para ele atrás das cortinas da janela acima da entrada. Parecia ser o sótão. Não sabia explicar a sensação, mas alguma coisa lhe dizia que nem todos estavam felizes com sua presença.
Seu novo lar era mais impressionante no interior. O piso de madeira corrida estava lustroso. Renan olhou para o teto e se surpreendeu com os afrescos florais. Teve a sensação de que voltara no passado. Nas paredes pintadas de azul claro pendiam tapeçarias com imagens de carruagens, palácios e crianças brincando no bosque. Os estofados brancos e a aparelhagem de TV e som modernos não conseguiam quebrar a elegância vitoriana do ambiente. Uma lareira de mármore negro ocupava toda a parede em frente a porta de entrada. Havia fotos com molduras douradas na prateleira. Renan caminhou até as janelas duplas de vidro escuro que iam do teto ao chão. Os jardins eram os mais belos que vira na vida.
Um barulho o fez voltar e olhar para o topo da escada de mármore branco coberta por um tapete azul marinho. Duas figuras femininas desciam os degraus graciosamente. Sua tia Ruth era a elegância em pessoa em seu macacão de linho bege e seus olhos da cor do céu de um dia de verão. Ela irradiava tranquilidade e beleza. Seus cabelos castanhos cortados à moda Chanel emolduravam o rosto oval. Assim que viu Renan ela veio lhe abraçar e por mais que ele se sentisse constrangido com a demonstração de afeto da tia, ficou também aliviado. Uma vez mais sentiu aquele arrepio na nuca e o formigamento na orelha esquerda estava ficando insuportável. Renan olhou para a enteada de seu tio e recebeu em troca um olhar frio como gelo e cinza como as nuvens numa tempestade. Teve certeza que era ela quem o estava espionando da janela por trás da cortina e isso fez com que trincasse os dentes de raiva. O que aquela fedelha de cabelos cor de fogo tinha contra ele? Nem se conheciam. De uma coisa tinha certeza nunca esqueceria aqueles cabelos e o olhar penetrante. Foi inimizade à primeira vista.
Continua...