terça-feira, 3 de março de 2015

Capítulo 6 - Feridas

Capítulo 6 - Feridas


O dia amanheceu nublado,  após uma longa noite de chuva forte e ventos loucos. Renan esquecera as janelas abertas e teve de levantar  para fechá-las. O uivo frenético do vento era angustiante e assustador.  Renan voltou a adormecer sem se dar conta de que um uivo mais aterrador que o vento , cortava a madrugada.
Um delicioso aroma de café e pão caseiro se embrenhou por baixo das portas, acordando duas criaturas , uma delas com energia suficiente para enfrentar uma maratona e a outra, um zumbi rastejante. 
- Bom dia! - cumprimentou Renan sorrindo.  Catherine acabava de descer as escadas,  de cabeça baixa coberta por um capuz negro. Ao sentar-se para comer não pronunciou nenhuma palavra. Pegou uma torrada e passou geleia de damasco sobre ela.
- Catherine! Não se deve usar luvas à mesa! - ralhou a mãe.
- Tenho frio. - respondeu sem ao menos levantar a cabeça.
- E esse capuz? Ao menos olhe para mim quando falo com você! 
- Me deixe em paz , ok. - seu pai já ia lhe aplicar um sermão , mas ela o interrompeu. - Já que não posso ter um mínimo de privacidade e tranquilidade , me retiro. Pelo menos , na escola tenho sossego quando eu quero.  - dito isto, pegou sua mochila e saiu de casa batendo a porta com força.
- Acho melhor eu ir junto. - disse Renan se levantando.
- Oh, querido! Desculpe-me pela má educação dessa menina.  - pediu a mãe de Catherine.
- Eu já me acostumei às mudanças de humor dela. Não se preocupe.
- Mesmo assim não está certo. Vou ter uma conversinha de pai para filha mais tarde.  Não quero saber de birra dentro de casa. Ela não é mais criança.  Precisa aprender a se comportar.  - retrucou meu tio, determinado.
- Bem... Então eu vou indo. Tenham um ótimo dia e obrigado por esse pão delicioso tia.
Ao ver o sorriso da tia Renan sentiu-se mais tranquilo.  Mas o que deu em Catherine pra agir com tanta ignorância com os pais?
A viagem de carro até o colégio foi realizada em total silêncio.  Por algum motivo,  Renan não dirigiu a palavra à prima. Catherine não tirou o nariz da janela.  Não havia nada de interessante para se ver do lado de fora. Uma neblina deixava tudo cinza e vazio como uma cidade fantasma.
Poucas pessoas caminhavam pelas ruas e seus passos apressados eram abafados pelo ronco dos motores dos automóveis. 
Ao chegarem ao colégio,  cada um foi para um lado. Ia ser difícil descobrir o que incomodava aquela menina birrenta.  - pensava Renan olhando Catherine se afastar dos colegas, enquanto sua silhueta sumia por trás das  portas do ginásio. 
Renan estava tão distraído,  que levou um susto ao sentir duas mãos tocarem sua nuca e lábios macios e quentes tocarem os seus. Foi apenas  um selinho dado por Eloise,  mas algo naquele gesto espontâneo ao invés de o surpreender de forma agradável,  o incomodou.
- Eloise, as pessoas estão olhando. - disse tirando as mãos da menina de seu pescoço.
- E daí?  Não estamos fazendo nada de errado.  - comentou ela fazendo beicinho.
- Você não gostou?
Aqueles olhos grandes e fingidamente magoados , quase o deixou sem ação.  Se não tomasse cuidado,  seria preso em uma armadilha. 
- Essa não é a questão. Vou deixar passar dessa vez, mas quero que entenda que não gosto desse tipo de atitude.
- Ok. Da próxima vez eu te aviso. - Eloise deu uma risadinha travessa , grudou no braço de Renan e caminhou ao seu lado tagarelando sem parar. 
Enfim , entraram na sala. Bastou um olhar de relance para Renan perceber que Catherine não estava presente.  Onde ela havia se metido?
O professor de Economia, um senhor magro como um graveto, com olheiras profundas  e sobrancelhas negras, espessas, anunciou uma prova surpresa.  O descontentamento foi geral.
- Quem teve a má sorte de faltar essa aula,  está fadado à repetir o semestre inteiro.  Salvo se provar que estava inconsciente em uma cama de hospital.  - disse categórico.
A balbúrdia mal teve início e morreu com a implacável voz tumultuar do professor Oswald. Não havia necessidade de gritos ou de qualquer barulho para calar a boca dos alunos.  Renan reparou que apesar de parecer um cadáver , o professor de economia era bastante temido por todos.
- Preocupado com a ausência da prima e com a possibilidade dela ter que repetir o semestre,  Renan mandou uma mensagem para o celular dela, explicando a situação.  A resposta já era esperada, mas Renan ficou com raiva e durante todo o tempo, aquelas palavras ficaram martelando em sua mente.
- DANE-SE! - respondeu Catherine.
Aquilo era estranho.  Apesar do seu humor irascível,  Catherine era aplicada nos estudos e economia era uma disciplina difícil.  Não era do seu feitio agir como se não se importasse.
Enfim,  terminou o tormento.  Tiveram mais uma aula de História Geral e o sinal do intervalo veio aliviar as mentes fatigadas.  Renan desviou-se de Eloise,  inventando algo a respeito de entregar um documento na secretaria e saiu para o pátio apressado.
Sua mente estava em turbilhão,  não por conta da prova surpresa,  mas porque mada lhe tirava da cabeça que algo havia acontecido com Catherine. 
Procurou-a nos lugares que ela costumava frequentar como o ginásio de esportes,  a biblioteca e até na capela, mas não a encontrou. Parou alguns alunos, pelo caminho , perguntando se a tinham visto, mas ninguém sabia de nada. Tentou ligar para o celular dela, mas novamente ouviu a mensagem de que estava desligado.
Olhando aquela imensidão que era o colégio,  tentou imaginar como a encontraria. Alguém deve tê-la visto. Senão os alunos,  provavelmente algum funcionário.  Renan resolveu perguntar a um faxineiro , que limpava as vidraças externas da capela.
- Com licença.  O senhor viu essa menina?  - perguntou Renan mostrando uma foto em seu celular.  Nem sabia porque havia guardado. Tirou-a num impulso.  Na foto, Catherine estava de pé,  recostada no tronco de um hibisco , lendo um livro. Estava tão serena e linda,  que ele não resistiu.
- A senhorita Catherine?  A última vez que a vi , ela estava conversando com alguém no cemitério. - vendo minha cara de espanto , ele sorriu com os poucos dentes que lhe restavam. - Vejo que é novo por aqui.  Está vendo aquela trilha de pedra , ladeada por aquelas árvores?  Siga até o final e irá encontrar uma grande área cercada.  Acho que a vi , no quinto corredor paralelo ao portão de entrada.  O senhor vai ver logo uma grande arvore com galhos tortos e nodosos. Eu a vi sentada em um deles.
- Muito obrigado senhor...
- Simon. - completou ele.  - Só uma coisa. - emendou antes que eu partisse. - Tenho certeza de ouvi-la conversando com alguém,  uma vez que fazia perguntas e parecia muito aborrecida. No entanto,  não havia mais ninguém naquele lugar além dela e de mim.
Renan ficou intrigado , mas agradeceu novamente ao senhor Simon e começou a  atravessar a trilha.
Um sentimento perturbador apertou seu peito , deixando-o angustiado.  Só o fato de saber que havia um cemitério dentro do terreno do colégio,  já o deixara arrepiado. Não era um cara medroso,  mas imaginar Catherine lá dentro , talvez convamdo com algum rapaz, se encontrando com ele às escondidas em um lugar lúgubre como aquele,  fez com que fosse cauteloso em seus passos. Olhando para todos os lados, entrou no cemitério.
Ao virar o quinto "corredor", Renan viu a alguns metros a tal árvore que Simon mencionou. Como entendia um pouco de botânica,  reconheceu ser ela um carvalho gigante, daqueles que ele lia nos livros quando criança.  Chegando mais perto encontrou Catherine adormecida aos pés da árvore.
Um misto de alívio e raiva brotou em seu peito,  fazendo com que Renan sacudisse a garota , segurando-a firmemente pelos ombros. Olhos assustados viraram-se para ele.
- Me larga! - reclamou Catherine dando um tapa no rosto de Renan. Catherine fez menção de se levantar,  mas foi impedida por braços fortes.
- Sua pestinha!  - xingou enquanto segurava firmemente os pulsos da garota sobre a luva de couro. Catherine gritou de dor quando ele apertou seus dedos quando ela tentou escapar.
- Me solta! - gritou ela tentando morder o braço direito dele. Sentindo um forte aperto , Catherine uivou enquanto lágrimas quentes nublavam-lhe a visão.
Só então,  que Renan reparou na linha vermelha que a luva deixou entrever com o esforço de segurar a garota.
- O que é isso? Você está ferida! É por isso que está usando luvas desde cedo não é? Por isso não assistiu às aulas?
- Isso não é da sua conta!  Deixe-me ir. Tenho que voltar pra sala. - Catherine implorava , enquanto tentava se soltar.
- Não me faça rir. Não sou tão idiota quanto você pensa. Quero ver suas mãos!  Vamos tirar essas luvas.
- Não! Por favor!  - Catherine suplicava. Se fosse em outra ora ou com outra pessoa,  Renan teria desistido, mas algo lhe dizia que precisava ver com seus próprios olhos.
Por fim, cansada de lutar,  Catherine deixou que lhe tirasse as luvas. As ataduras improvisadas estavam manchadas de sangue coagulado.
- Tá vendo? Machuquei as mãos,  mas já vão sarar. Agora me deixe ir.
- Fique parada! Preciso ver qual é a gravidade.
- Não foi nada. Só um arranhão.  Um gato me arranhou, foi isso.
- Você realmente acredita que sou otário não é?  Não me compare com seus amiguinhos de presépio.
Quando as ataduras foram desfeitas, grandes e profundos talhes vermelhos cobriam as duas mãos de Catherine,  do pulso até os dedos. Ela fechou os olhos e caiu em pranto convulsivo.
- Foi... Catherine olhe pra mim. - ela olhou para aqueles olhos consternados, as lágrimas escorrendo por sua face pálida.
- Quem fez isso?
Uma única palavra de três letras saiu de seus lábios trêmulos.
- ELA.- Catherine abraçou Renan que não entendeu. Quem seria ELA?
Continua. ..

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